COMUNIDADES
Jongo do Morro da Serrinha
HISTÓRIA
O fim da escravidão não acabou com as injustiças praticadas contra os negros. Os ex-escravos e seus descendentes não receberam um pedaço de terra para continuar trabalhando na agricultura. Assim, foram obrigados a migrar para a cidade do Rio de Janeiro, então capital do país, em busca de melhores oportunidades. A chegada dessa população do Vale do Rio Paraíba, fez com que o Rio de Janeiro se tornasse a região do Brasil com maior concentração de jongueiros.
No início do século, a cidade já sofria com a especulação imobiliária. As obras de demolição do centro colonial do Rio, empreendidas pela nova política de “embelezamento” à moda francesa e “sanitarização”, expulsaram a população pobre dali. Essa massa composta predominantemente de negros teve de subir para o alto dos morros, até então desabitados devido ao difícil acesso, inaugurando uma nova forma de moradia: as favelas.
Apesar da mudança para a cidade, essas famílias negras continuaram a dançar o jongo em seus novos redutos como os morros de São Carlos, Salgueiro, Mangueira, e, sobretudo na Serrinha. Assim, graças à memória desses antigos jongueiros, foi possível reviver o passado das fazendas.
Por volta de 1930, devido ao estreito contato com a vida urbana, aos novos modismos e à morte dos jongueiros idosos, o jongo foi aos poucos desaparecendo dos morros cariocas. No entanto, a Serrinha, localizada na periferia, ficava isolada da parte central da cidade, como se fosse uma “roça” afastada, e, por isso, conseguiu preservar a cultura afro-brasileira tradicional.
A vida dos moradores desse morro do subúrbio de Madureira continuava bem parecida com a dos tempos das fazendas. As cachoeiras, os bambuzais, os animais selvagens, as casas de pau-a-pique, o candeeiro e o ferro à brasa continuaram a fazer parte do dia-a-dia.
O espírito festivo dos moradores e a consciência da importância de se preservar a cultura negra foram fundamentais para a formação desse núcleo de famílias-artistas. A fama das festas da Serrinha, suas ladainhas, blocos de carnaval, pastoris, terreiros de umbanda, sambas de partido-alto, bailes de calango e jongos sempre atraíram a visita de intelectuais, políticos e artistas do outro lado da cidade para o subúrbio de Madureira.
Seus moradores lideraram movimentos negros e de luta popular, como a fundação do primeiro sindicato do Brasil, o do Cais da Estiva, onde muitos deles trabalhavam e a fundação das primeiras escolas de samba.
A partir da década de 60, os velhos jongueiros da Serrinha foram morrendo e, mesmo naquela comunidade, as rodas de jongo começaram a se extinguir. Preocupados com isso, Mestre Darcy Monteiro e sua família convidaram as antigas jongueiras Vovó Teresa, Djanira, Tia Maria do Jongo e Tia Eulália para formar o grupo artístico Jongo da Serrinha.
Ao perceberem que, com a morte dos idosos, este último núcleo de jongo da cidade também estava morrendo, decidiram transformar as antigas e informais rodas de jongo em espetáculos como estratégia de preservação da tradição.
Desta forma, a dança foi levada dos quintais para os palcos. Foram 35 anos de insistente trabalho na divulgação do ritmo, que fez do Jongo da Serrinha uma referência da cultura afro-carioca.
A criação do grupo artístico possibilitou que cinco gerações da comunidade aprendessem o jongo na casa da Vovó Maria Joana Rezadeira, mãe de Mestre Darcy.
O Mestre e a famosa Rezadeira, além de levarem o jongo para os palcos, quebraram mais um tabu: permitiram que as crianças e jovens participassem da dança, antes reservada só para os mais velhos.
Verdadeiro quilombo cultural a céu aberto, o Morro da Serrinha é hoje o mais forte território jongueiro da cidade do Rio de Janeiro, abrigando inúmeros jongueiros e grupos culturais, como Jongo da Serrinha, Companhia de Aruanda, Tia Ira Rezadeira, etc.
informações
Grupo Cultural Jongo da Serrinha
Rua Silas de Oliveira, 101, Madureira, Rio de Janeiro/RJ
Contato:
(21) 99191.3123 – info@jongodaserrinha.org
Companhia de Aruanda
Rua Maria Lopes, 155, Madureira, Rio de Janeiro/RJ
Contato:
(21) 99724.9449 – ciadearuanda@gmail.com
Tia Ira Rezadeira
Rua Balaiada, 86, Madureira, Rio de Janeiro/RJ
Contato:
(21) 21984042531 WhatsApp / (21) 97591.8145 Ligação – Elaine Casemiro
Como chegar:
O Morro da Serrinha se localiza em Madureira, Zona Norte, subúrbio do Rio de Janeiro. Muito próximo do Mercadão de Madureira, centro de comércio popular na Zona Norte do Rio de Janeiro, a mais maneira mais fácil de chegar ao local é por trem (ramal Deodoro), desembarcando na estação Madureira.
BIOGRAFIAS
MESTRE DARCY (1932-2001)
Darcy Monteiro, o Mestre Darcy do Jongo da Serrinha, nasceu em 31 de dezembro de 1932, na rua da Balaiada, 124, Morro da Serrinha. Filho de Pedro Monteiro e Vovó Maria Joana Rezadeira, pertencia a uma das mais tradicionais dinastias do jongo no Brasil, sendo o responsável pela perpetuação do jongo na Serrinha até os dias de hoje.

Seguindo os passos do pai, Pedro Monteiro, Darcy, desde cedo, começou a fazer diversos trabalhos comunitários na Serrinha. Nascido numa família de músicos, iniciou sua carreira de músico profissional aos 16 anos, tornando-se um percussionista genial, uma verdadeira lenda do tambor.
Em 1947, fundou a Escola de Samba Império Serrano, onde introduziu o agogô na bateria pela primeira vez, sendo logo copiado pelas outras escolas do Rio de Janeiro.
Mestre Darcy foi fundador junto com Candeia, Wilson Moreira e Nei Lopes do Grêmio Recreativo de Arte Negra Quilombo, bem como da primeira escola de samba infantil, a Império do Futuro.
Na Rádio Nacional, acompanhou grandes nomes da música, como Geraldo Pereira, Francisco Alves, Jorge Veiga, Ataulfo Alves, Marlene, Emilinha, Herivelto Martins, Monsueto, Mário Reis, entre outros. Foi coreógrafo e ritmista de um trio de pandeiros no Cassino da Urca, e atuou em diversas casas noturnas da cidade. Viajou para a França, Portugal, Inglaterra, Uruguai e Argentina, participou da Companhia de Carlos Machado e das Orquestras do Severino Araújo, Maestro Guido de Moraes, Raul de Barros e Paulo Moura. Também acompanhou o jazzista Dizzy Gillespie em suas apresentações no Brasil, participou das gravações do disco “Missa dos Quilombos”, de Milton Nascimento, e dos discos do cantor Roberto Ribeiro, Beth Carvalho, entre outros.
Com sua família e antigos jongueiros fundou o grupo Jongo da Serrinha, na época chamado Jongo Bassam, a fim de retomar as rodas de jongo e divulgar a tradição. Apresentava-se com sua mãe, Vovó Maria Joana Rezadeira, sua esposa Eunice Monteiro, sua irmã Eva, seu filho Darcy, sua sobrinha Dely, com a jongueira centenária Vovó Teresa, Tia Maria da Grota e Djanira do Jongo. Apresentou-se com o jongo em diversos teatros do Brasil e do exterior.
Mestre Darcy, além de músico profissional e jongueiro, participava como ogã nas atividades da Tenda Espírita de Xangô, tocando tambor para sua mãe e irmã.
Muito carismático, Darcy era um fenômeno tocando tambor: dançava e cantava muito bem, compôs diversos jongos e sambas, dirigia artisticamente o grupo e era uma lenda viva, um personagem que ligava as novas gerações ao passado musical da cidade do Rio de Janeiro. Dono de uma forte personalidade, quebrou três tabus: introduziu instrumentos de harmonia no jongo tradicional, passou a ensinar o ritmo para as crianças e levou o jongo dos quintais da Serrinha para os palcos.
Nos últimos anos, Mestre Darcy continuava ensinando o jongo para universitários e estudantes em geral.
Faleceu em dezembro de 2001.
Deixou como herdeiro dos toques dos tambores do jongo seu filho Darcy Antonio.
VOVÓ MARIA JOANA REZADEIRA (1902-1986)
Maria Joana Monteiro, a Vovó Maria Joana Rezadeira, nasceu no dia 24 de junho de 1902, na Fazenda Saudade, perto da Fazenda da Bem Posta, em Marquês de Valença, interior do estado do Rio de Janeiro. Quando criança, trabalhou em lavouras de arroz, feijão e café. Seus avós paternos eram africanos, seu avô materno era negro e sua avó materna índia, “pegada no mato”.

Fotografia Carlos Azambuja
Aprendeu o jongo na fazenda onde nasceu. Quando seus padrinhos morreram, órfã de mãe, Maria Joana veio morar com o pai no Rio de Janeiro, que logo depois também faleceu. Foi então morar em Cascadura, exercendo a atividade de ama-seca. Por doze anos, viveu no Morro da Mangueira, mudando-se depois para a Serrinha, onde permaneceu até a sua morte.
Casou-se aos quatorze anos com seu primo Pedro Francisco Monteiro, que também era jongueiro e cavaquinista. Pedro trabalhava como carregador do Lloyd Brasileiro, e assim que chegou ao Morro da Serrinha começou a desenvolver diversos trabalhos comunitários, ajudando a fundar a Escola de Samba Império Serrano.
Vovó, assim como sua conterrânea Clementina de Jesus, conhecia um vasto repertório de tradições populares: ladainhas, curimas, pontos de umbanda, jongos, sambas de terreiro, cantos de trabalho, rezas e benzeduras.
Vovó Maria cantava as ladainhas na Serrinha sempre que convidada, especialmente no dia de São Pedro, na casa de Vovó Líbia e Seu Antenor e no dia de São Jorge, na quadra de ensaios do Império Serrano, antes da saída da imagem do santo para a procissão que percorre as ruas dos subúrbios. Vovó Maria desfilava no alto do carro junto com São Jorge, pois era uma mãe-de-santo muito popular de Madureira. “Dava” o jongo em sua casa no dia 24 de junho, dia de São João e data de seu aniversário.
Aos vinte e sete anos, começou a desenvolver sua mediunidade e, após a morte do marido, construiu um espaço em sua casa para a realização de rituais de umbanda. Esse terreiro, a Tenda Espírita Cabana de Xangô, entrou para a história do Rio de Janeiro. A casa é um local de muita festa e caridade. Era grande o número de crianças e adultos que batiam à porta de famosa rezadeira Vovó Maria Joana em busca de orações para livrá-los de doenças como o “vento virado”, “espinhela caída”, “quebrantos” e outros males. Vovó também era parteira : muitas gerações da Serrinha foram aparadas pelas suas mãos.
Mulher de muito carisma, onde quer que chegasse sua forte presença atraía todos, que logo a cercavam para saber quem era aquela senhora tão simpática e bem vestida, com suas roupas de santo brilhantes, por ela mesma criadas e costuradas. Vovó dedicava todo seu tempo à caridade, abrindo a sua casa para abrigar os necessitados e oferecer-lhes um teto e um prato de comida. Em intenção a São Lázaro, o Obaluaiê da umbanda, Vovó Maria Joana realizava todos os anos o “Banquete dos Cachorros”, ritual em que uma ceia era servida no chão, primeiramente, para os cachorros da redondeza.
Figura querida e de prestígio, cultivava a amizade de artistas, intelectuais, músicos e políticos famosos. Estes, muitas vezes, vinham de longe para se aconselhar com sua ancestral sabedoria e participar das festas que tinham muita comida, bebida, partido-alto e jongo.
Clara Nunes, que desde moça frequentava sua casa, tornou-se sua filha-de-santo assim como diversos outros sambistas.

Fotografia Wilton Montenegro
Vovó Maria Joana sempre fez parte do mundo do samba. Ex-componente da antiga escola Prazer da Serrinha participou com seu marido, em 1947, da fundação da Escola de Samba Império Serrano, onde desde o primeiro ano desfilou na ala das baianas, além de desenhar figurinos para a escola.
Vovó Maria disse que, quando morresse, ficaria feliz por saber que tinha ensinado o jongo para muita gente e que este não iria mais acabar:
“Nós não somos donos de nada, e o que recebemos temos que passar adiante.”
Sua casa fica na Rua da Balaiada, 124, no coração da Serrinha, ladeira onde moram as famílias Oliveira, Monteiro e Silas de Oliveira, e local de fundação do Império Serrano. Ainda hoje, a casa da Vovó é um núcleo onde se mantêm vivas importantes manifestações da cultura afro-brasileira, ponto de referência para toda a comunidade e seus arredores.
TIA MARIA DO JONGO (1920-2019)
Tia Maria de Lourdes Mendes nasceu na Rua Balaiada, Morro da Serrinha, no dia 30 de dezembro de 1920. Filha do pioneiro Zacarias e de Etelvina, teve nove irmãos, dentre os quais Sebastião Molequinho,Tia Eulália, Dona Conceição e João Gradim, que, juntos, fundaram o Império Serrano. “Imperianos” das primeiras horas, todos foram criados, desde pequenos, em ambiente festivo, interessando-se sempre pelo carnaval, pelas festas juninas e pelas pastorinhas. A família sempre foi presença obrigatória entre os sambistas do Império.

Fotografia Alcinoo Giandinoto
Tia Maria saiu na Ala das Baianas da agremiação durante toda a vida. Desde pequena, assistia aos jongos e macumbas na Serrinha, embora seja católica praticante.
Em 1977, foi convidada por Mestre Darcy para entrar no grupo Jongo da Serrinha. A partir daí, nunca mais parou. Comadre de Vovó Maria Joana, nasceu na casa em frente à dela. As duas famílias sempre mantiveram fortes laços de amizade e comadrio. Muito respeitada por, atualmente, ser a jongueira mais antiga da Serrinha, Tia Maria tornou-se a líder do grupo. O quintal de sua casa vive cheio de crianças que passam as tardes brincando, comendo bolo de côco, canjica e sua comidinha mineira deliciosa.
Querida por todos, Tia Maria faz lembrar o clima familiar da Serrinha. Nos últimos anos, sua casa tornou-se o local de confraternização do grupo, que ali ensaia e festeja antigas tradições como a feijoada em homenagem aos pretos-velhos, no dia 13 de maio; a distribuição de doces de São Cosme Damião, no 27 de setembro, e as rodas de jongo em seu quintal. De alguns anos para cá, além de dançar maravilhosamente, Tia Maria passou a compor pontos de jongo e a cantar nas apresentações.
MANO ELÓI ANTERO DIAS (1889-1970)
Mano Elói nasceu em Engenheiro Passos, no estado do Rio, no dia 2 de maio de 1889. Veio para a antiga capital da República com quinze anos, indo trabalhar como vendedor de balas no Campo de Santana. Passou a juventude percorrendo os principais redutos de samba da cidade, na época em que sambistas eram confundidos com marginais. Muitas vezes teve que escapar da perseguição policial na Pedra Lisa, no Buraco Quente da Mangueira, no morro da Favela ou no de Santo Antônio.

Trabalhou na Resistência do Cais do Porto, onde chegou a ser líder sindical, pertencente à Companhia dos Homens Pretos. Mano Elói e Sebastião Molequinho Oliveira levaram adiante a tradição de resistência e luta dos negros portuários, fundando em 1947 o Império Serrano, que geralmente tem o protesto social como tema de seus enredos.
Era sambista partideiro, incentivador de gafieiras e batucadas. Bamba nas “rodas de pernada”, era capaz de derrubar com facilidade o opositor dando uma “banda” ou “rabo-de-arraia”. Foi um dos maiores difusores da cultura dos negros e mestiços no Rio de Janeiro, participando do movimento que fundou as primeiras escolas de samba.
Era líder da Escola de Samba Deixa-Malhar, da Tijuca, e ajudou a fundar a pioneira Estácio de Sá. Mano Elói também incentivou a família Oliveira a fundar a Império Serrano, doando os instrumentos da primeira bateria e emprestando seu nome para a quadra de ensaios da escola. Carlos Cachaça, fundador da Estação Primeira de Mangueira, contava que a primeira pessoa que ele vira cantar um samba na sua vida fora Mano Elói, chegando no Buraco Quente junto com dois amigos vindos de Madureira. De acordo com Carlos Cachaça, foi Mano Elói que levou o samba para a Mangueira.
Além das ligações com os primeiros tempos do mundo do samba, desde a juventude, Mano Elói ficou conhecido como respeitado ogã, dono e freqüentador de terreiros de macumba. Era também um “jongueiro considerado”. Participava de rodas de jongo da Serrinha e de outras localidades.
Importantes documentos deixados por Mano Elói foram os dois discos que gravou para a Odeon em 1930, registrando pela primeira vez no Brasil pontos de umbanda e de jongo. No primeiro disco, pode-se ouvir, no lado A, o “Ponto de Iansã” e, no lado B, o “Ponto de Ogun”. No segundo, dois pontos de jongo: “Galo Macuco” e “Liberdade dos escravos”.
VOVÓ TERESA (1864-1979) e MESTRE FULEIRO (1912-1997)
Nascida em Paraíba do Sul, Vovó Teresa morreu na Serrinha aos 115 anos. Antiga jongueira do tempo do cativeiro, Vovó Teresa trabalhou como empregada doméstica do Marechal Deodoro da Fonseca e, mesmo com idade avançada, insistia muito para que seus filhos, Antonio Fuleiro e o jongueiro da Portela Antonio Rufino, dançassem com ela nas rodas de jongo. Ensinou a dança, os pontos e alguns mistérios antigos do jongo para os mais novos da Serrinha.
Mestre Fuleiro, seu filho, ficou famoso no mundo do samba como Mestre de Harmonia do Império Serrano. A respeito da atitude de Mestre Darcy de acrescentar instrumentos de harmonia no jongo, ele dizia: “Acho que ele está certo. Quem dera que um preto-velho fosse permitido pelo senhor pegar num violão ou numa viola, por isso, só tocavam tambor mesmo… Só acho que nesses espetáculos deve-se mostrar também o jongo cru como ele é mesmo”.
Vovó Tereza morava na rua Lambari, atual rua Antônio dos Santos Fuleiro. Dançou o jongo até morrer e, bem velhinha, ainda participava dos shows do grupo Jongo da Serrinha a convite do Mestre Darcy. Para relembrar a vinda de Paraíba do Sul para Madureira, num trem “Maria Fumaça”, ela cantava:
“Vapor berrou na Paraíba, chora eu.
Fumaça dele na Madureira, chora eu”
DONA MARTA (1886-1963)
Marta Ferreira da Silva, filha de José Ferreira e Maria Francisca Ferreira, nasceu no estado do Rio de Janeiro, no dia 26 de julho de 1886 e faleceu em 28 de abril de 1963, em Madureira. Mãe-de-santo conceituada na Serrinha, em sua casa, o Terreiro d’Ogum, na rua Itaúba 298, havia jongo no dia de Sant’Ana, seu aniversário.

Lavadeira de profissão, ainda jovem foi sambista da escola de samba Rainha das Pretas e da Coração Unidos de Rocha Miranda, transferindo-se depois para o samba da Serrinha. Desfilou de baiana no Império Serrano desde sua fundação, em 1947. Figura popularíssima no local, a cada manhã de domingo de carnaval Dona Marta percorria as ruas vizinhas do morro fantasiada com vistosa indumentária de índio.
Na abertura do jongo na casa de Dona Marta, João Ricardo, jongueiro de Jacarepaguá, marido de Dona Rosa, puxava o ponto inaugural, com solenidade:
“Vamos abrir terreiro, foi Sant’Ana quem mandou. Na casa de Dona Marta, foi Sant’Ana que mandou.”
TIA EVA EMELY MONTEIRO (1938-1994)
Eva Emely Monteiro nasceu no dia 18 de agosto de 1938, no Morro da Serrinha. Filha de Vovó Maria Joana e Pedro Monteiro, teve dois filhos, Pedro e Dely, que atualmente é cantora do jongo.

Sempre morou com a mãe, seguindo os seus passos de jongueira, sambista e mãe-de-santo.
Aprendeu a dançar o jongo ainda criança, observando seus pais nas rodas da Serrinha junto com seu irmão Darcy. Tia Eva era uma excelente compositora de sambas, curimas e pontos de jongo. Ensinou a dança para muita gente, ajudando a mãe e o irmão nessa tarefa. Após a morte da Vovó, ela herdou a responsabilidade de continuar realizando as festas na Tenda Espírita Cabana de Xangô. Comandava os toques dos tambores do terreiro de umbanda, ensinando os ritmos para os ogãs, batendo com a palma das mãos.
Tia Eva era integrante do Império Serrano. Era responsável por toda uma ala, cuidando das fantasias e do desempenho de cerca de 200 pessoas no desfile do Carnaval. Nas famosas festas na casa de Vovó Maria, era ela quem organizava tudo e cozinhava a comida em grandes panelões.
VOVÓ LIBIA E SEU ANTENOR
A casa de Antenor dos Santos, trabalhador da estiva, foi um importante centro irradiador de cultura popular. Mineiro como sua mulher, Dona Líbia, ele dava o jongo no dia de São Pedro, 29 de junho. Nesse dia, antes do início do jongo, Antenor reunia as crianças e os adultos das redondezas e, por volta das dez horas da noite, junto com Vovó Maria Joana, rezava a ladainha em louvor ao santo do dia na pequena capela que existia no quintal da sua casa. Nessas ocasiões, o terreiro ficava sempre embandeirado com a fogueira acesa.

Já Dona Líbia, mulher de Seu Antenor, era responsável por um grupo de Pastorinhas que, no Natal, dirigia-se à casa de Dona Lucinda, em Vaz Lobo, para apresentar-se para o grupo de pastorinhas de lá. A cada 20 de janeiro, dia de São Sebastião, padroeiro da cidade, estando o presépio armado desde o mês de novembro, Dona Líbia procedia à Queima da Lapinha.
Gina, neta do casal, atualmente é integrante da Bateria do Império Serrano e até hoje dança o jongo.
SEU NASCIMENTO (1901-1953) E TIA EULÁLIA (1908)
José Nascimento Filho, empregado da Resistência do Cais do Porto, nasceu em Três Rios, no dia 19 de março de 1903, dia de São José. Marido de Tia Eulália, Seu Nascimento dava o jongo a cada aniversário seu, quando acorriam à sua casa famosos jongueiros do antigo Distrito Federal e do interior do estado do Rio. Acordava cedo, vestia-se de branco com uma camisa azul e dirigia-se à Igreja de São José, no Centro, para assistir à missa do santo. Voltava para casa e começava a preparar as comidas e os foguetes para a festa à noite. De madrugada, o chão do terreiro cobria-se de flores atiradas pelos jongueiros.
Eulália do Nascimento, irmã da Tia Maria do Jongo, é a famosa Tia Eulália. Nasceu em 12 de março de 1908 em São José de Além Paraíba / Porto Novo do Cunha, em Minas Gerais, e veio com um ano para o Morro da Serrinha, trazida pelos pais Zacarias e Etelvina, ali permanecendo até hoje.
Na infância, viveu numa Serrinha que parecia uma floresta, com bambuzais, cachoeiras e até onça jaguatirica.
Seu pai, Francisco Zacarias de Oliveira, foi o precursor dos blocos de carnaval na cidade do Rio e na Serrinha, como o Dois Jacarés. Amigo do Ministro Edgard Romero, tinha muita influência conseguindo benfeitorias para a comunidade. Sua casa vivia repleta de músicos que organizavam pastoris, gafieiras, serestas e obviamente muitas rodas de samba. Mano Elói dizia que o espírito festivo daqueles nove irmãos, filhos do senhor Zacarias Oliveira, já era suficiente para a criação de uma escola de samba.
Em 1947, na casa de Tia Eulália e Seu Nascimento, na Rua Balaiada, no alto do morro, foi fundada a Império Serrano. Tia Eulália é a carteirinha no.1 da escola, que defende com todo o fervor. Nos ensaios para o carnaval até tarde da madrugada e no desfile da escola, ela está sempre inspecionando tudo com muito rigor.
Conheceu o jongo quando casou com o Seu Nascimento, mas seu maior interesse sempre foi o samba.
MESTRE ANICETO DO IMPÉRIO (1912-1993)
Aniceto de Menezes Silva Junior foi o maior representante do partido-alto. Ele desafiava qualquer um na roda a improvisar mais tempo do que ele. Filho de cariocas nasceu no dia 11 de março de 1912, no bairro do Estácio de Sá. Foi criado pelo lendário Hilário Jovino, criador dos primeiros ranchos de carnaval do bairro da Saúde, local de nascimento do samba. Era estivador do Cais do Porto, onde trabalhou até se aposentar. Andava pelas rodas de samba, afoxés e umbandas da Saúde, Pedra do Sal e dos subúrbios de Madureira.

Desde criança, revelou um talento extraordinário para declamar e criar poesias de improviso. Era capaz de ficar horas a fio improvisando, demonstrando uma agilidade mental fabulosa. Seus versos eram muito “gaiatos”, cheios de picardia, e, em alguns momentos, serviam de galanteios para alguma moça bonita presente. Aniceto foi o orador oficial da Império Serrano, escola que ajudou a fundar. Gostava muito de demonstrar um rico vocabulário e uma dicção perfeita.
Nunca abandonou sua escola de coração, mesmo quando começou a ganhar fama de fantástico versador, de voz forte e metálica, passando a ser assediado pelas escolas concorrentes. Grande compositor, gravou excelentes discos.
Aniceto participava das rodas de jongo da Serrinha e tinha muito respeito pela dança: “O jongo mata, o jongo não é de brincadeira, o jongo é das almas… Deve-se acender uma vela, do lado desta vela um copo d’água. O jongo é o pai de muitas outras músicas que existem por aí.”